Nhaí gaymers?
Já faz tempo que eu não jogo nada de interessante, e confesso que até fiquei sem assunto nos últimos dias para compartilhar com vocês. Porém, a Netflix adicionou uma série espetacular no catálogo e eu necessito fazer uma resenha sobre ela. Trata-se de “Pose“, que teve sua primeira temporada exibida originalmente em 2018.
Eu sei, eu sei: cheguei atrasadíssimo no rolê e já deveria ter assistido há tempos. Mas antes tarde do que nunca, não é? Sei também que o assunto não é necessariamente sobre games, só que o seriado toca em questões tão importantes que achei essencial trazer o tema e indicar para as manas que ainda não conhecem, ou não assistiram.
Uma época de medo para nossos iguais
Criado por Brad Falchuk, Steven Canals e Ryan Murphy, a série Pose acompanha a história de diversos personagens LGBTQIA+ na luta contra o preconceito, a violência e a epidemia de HIV que ocorreu na época. Em meio a todo esse cenário preocupante, na cidade de Nova York, aconteciam os famosos Balls (Bailes) com competições de desfiles com temas variados, um dos únicos locais em que os personagens podem ser eles mesmos.
O seriado em si aborda MUITOS temas que eram — e ainda são — tabus na sociedade. Nesse post tentarei falar dos principais, evitando ao máximo os spoilers para não estragar a experiência de quem ainda vai assistir. Inspirado no documentário “Paris Is Burning“, de 1991, as influências mostradas em Pose estão vivas na cultura queer até hoje.
Blanca (Mj Rodriguez) é uma mulher trans, e drag queen, que sonha em fazer sucesso por conta própria para ajudar a comunidade onde vive. Após ser expulsa de casa, ela logo foi adotada por Elektra (Dominique Jackson) que é lider da casa Abundance e ensina tudo sobre o mundo marginalizado onde vive. Blanca acaba sendo expulsa do grupo por causa de seus sonhos e dá início a sua própria casa: Evangelista — uma homenagem a famosa modelo canadense Linda Evangelista.
Um dos dramas centrais que Pose aborda é a família, mas não a biológica e sim a que escolhemos estar. Se atualmente já é bem difícil assumir ser LGBTQIA+, imagine há 30 anos? E é nesse ponto que a personagem de MJ brilha de forma majestosa. Ela é a fagulha de esperança em meio a jovens sem perspectiva de futuro, influenciando todos à sua volta.
Por diversas vezes Blanca reforça o quão difícil a caminhada vai ser, mas nunca devemos desistir. Sempre aconselhando seus filhos adotivos a seguirem os sonhos e não caírem nas armadilhas que a vida oferece. A personagem ainda tem seus próprios dramas pessoais como mulher trans, precisando lutar contra o preconceito até mesmo dentro da comunidade, contra o que conhecemos hoje como o “gay padrão”. Aquele que mesmo estando à margem da sociedade, tenta se escorar na masculinidade tóxica para ser aceito entre os que o rejeitaram.
Com boa parte do elenco transexual, Pose expõe todo o chorume que existe dentro do meio LGBTQIA+, no qual somente o gay másculo, não afeminado, musculoso e bem sucedido recebe um tipo de “autorização” para ser ele mesmo. Se você se identificar com algum perfil preconceituoso de aplicativo de namoro não se surpreenda, porque a série mostra que situações assim não são novidade.
Anos 1980 e a epidemia do HIV
Um dos maiores males que atingiu em cheio os LGBTQIA+ nos anos 1980 foi o vírus do HIV. Não bastasse ser uma doença desconhecida, o vírus se espalhou rapidamente entre homens gays, sendo a desculpa perfeita para os governantes ignorarem o problema. Um outro filme que fala sobre o problema de maneira mais aprofundada é “The Normal Heart”, da HBO, sugiro assistirem também.
Hoje em dia existem diversos tratamentos para a doença, que permite o portador do vírus ter uma vida plena e saudável. Mas não era assim há 30 anos, se você era soropositivo a sociedade o encarava como um sentenciado à morte. Sem apoio ou verba do governo para tratamento, muitos faleceram tendo suas vidas roubadas pelo preconceito.
Uma das cenas mais chocantes para mim foi quando a personagem Patty (Kate Mara) pediu um exame de HIV para seu ginecologista e o mesmo diz que é impossível uma mulher heterossexual contrair o vírus. O mais triste ao assistir essas cenas é imaginar que era exatamente o pensamento da época. Mais grave que a ignorância, o preconceito foi o grande responsável pela disseminação do HIV no mundo.
O desejo e a repulsa
Outro tema retratado de forma magnífica é o preconceito com a comunidade trans. Pessoas que, até hoje, são marginalizadas ao ponto de terem que optar pela prostituição pela falta de oportunidade. Você mesmo já deve ter ouvido a frase “quem quer corre atrás”, certo? Já parou para analisar em quantos lugares já foi atendido por pessoas trans? A resposta provavelmente será nenhum.
É nesse ponto que Pose estimula o espectador a pensar: “será que as pessoas trans realmente não procuram empregos comuns? Ou são as empresas que rejeitam candidatos LGBTQIA+ independente das capacitações?”. O julgamento é muito fácil quando não nos colocamos no lugar dos outros, quando não entendemos o como a sociedade encara as pessoas trans de maneira geral. Por isso esse é um erro comum que muitos cometem, achando que só porque o mundo deles é “cor-de-rosa”, todo mundo é tratado igual.
Além disso, existem os casos que pessoas trans são consideradas somente como fetiche. Um objeto para ser usado a noite, nas sombras, mas que poucas vezes é tratado como um companheir@ comum. Essa contradição se reflete muito no Brasil, país que mais consome pornografia trans e, ao mesmo tempo, o que mais mata transexuais.
Mais do que apenas um seriado de entretenimento, Pose é um programa sobre reflexão. É um alerta sobre nossas atitudes que se repetem há décadas, causando mais mortes dentro da comunidade LGBTQIA+. É um aviso de que devemos parar de olhar o próprio umbigo, se dando conta de que o problema que uma sigla enfrenta faz parte da luta de todas as outras.
Pose é exibida originalmente no canal de TV a cabo FX e recentemente foi renovada para a terceira temporada. A primeira já pode ser assistida na Netflix.
Angelo Prata
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